EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AGRAVO RETIDO. NÃO CONHECIMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ATO ILÍCITO. PEDIDO DE REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. INVASÃO DE FAIXA CONTRÁRIA. VÍTIMA FATAL. BOLETIM DE OCORRÊNCIA. PRESUNÇÃO JURIS TANTUM DE VERACIDADE. VEÍCULO CAUSADOR DIRIGIDO POR ADOLESCENTE SEM HABILITAÇÃO LEGAL. CULPA DEMONSTRADA. REGRAS DE EXPERIÊNCIA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS PAIS CONFIGURADA. DEVER DE VIGILÂNCIA. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 932, I, E 933 DO CÓDIGO CIVIL. REQUISITOS DE RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DEMONSTRADOS. PEDIDO DE REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE A VÍTIMA EXERCIA ATIVIDADA REMUNERADA, BEM COMO DE QUE CONTRIBUÍA FINANCEIRAMENTE PARA O SUSTENTO DA FAMÍLIA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO AO AUTOR. PEDIDO IMPROCEDENTE. PLEITO INDENIZATÓRIO DE DANOS MORAIS. PROCEDÊNCIA.
1. É necessário, para fins de conhecimento de agravo na forma retida, que a parte requeira, expressamente, em razões ou contra-razões da apelação, sua apreciação pelo Tribunal, sob pena de importar desistência tácita daquele recurso.
2. O Boletim de Ocorrência Policial tem em seu favor presunção juris tantum de veracidade, prevalecendo até que se produza prova robusta em contrário.
3. Conquanto não se possa presumir a culpa do condutor do veículo somente pelo fato de não possuir habilitação legal para dirigir, tal circunstância, sobretudo quando conjugada com outras evidenciadas nos autos, serve para reforçar a convicção do Julgador acerca da procedência do pleito indenizatório.
4. A teor do que dispõem os artigos 932, I, e 933, do Código Civil, são os pais solidariamente responsáveis pelos danos que seus filhos menores causarem a bens de terceiros, quando sob a autoridade e na companhia daqueles estiverem.
5. De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é cabível a indenização por danos materiais nos casos em que a vítima pertence a família reconhecidamente de poucos recursos, sendo presumível, em tais casos, que os filhos menores contribuem para o sustento da casa prematuramente. (REsp 436.181-MG)
6. Apelação Cível conhecida e parcialmente provida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível, em que são partes as acima indicadas.
ACORDAM os Desembargadores que integram a 2ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, à unanimidade de votos, em conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Relator, que faz parte integrante deste.
RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Cível interposta por EDVAN DA SILVA contra sentença proferida pela MM Juíza de Direito da 17ª Vara Cível da Comarca de Natal/RN, que, nos autos de Ação Indenizatória por Ato Ilícito – Proc. Nº 001.04.004421-2 - promovida pelo ora recorrente em face de MARCO AURÉLIO DE GÓIS COSTA, julgou improcedente a pretensão deduzida na exordial.
Alegou o autor, em suma, na petição inicial (fls. 02/08), que, no dia 27-07-2003, aproximadamente às 22h, o seu filho, de nome Kleiber Silva, estava de carona em uma motocicleta, de placa MYB 4945, transitando pela Rodovia 101, no trecho Extremoz-Natal, quando foi atingido frontalmente pelo veículo de marca FORD/F4000, de placa MYL 1236/RN, dirigido por Marco Aurélio Góis Costa Júnior, filho do demandado, o qual, por ocasião do acidente, não possuía habilitação para dirigir veículo.
Relatou que, segundo testemunhas, o filho do réu “invadiu a faixa contrária da pista colidindo frontalmente com a moto mencionada, manifestando injustificável imprudência, a tornar patente sua culpa.” (fl. 03, item IV)
Afirmou que, em decorrência do referido acidente, o seu filho veio a óbito instantaneamente.
Requereu, ao final, invocando o artigo 5º, X, da Constituição Federal, 927 do Código Civil, bem como a súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça e a 491 do Supremo Tribunal Federal, que fosse a parte demandada condenada ao pagamento de indenização por ato ilícito no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), fixando-se, ainda, indenização pelos danos morais sofridos.
Designada audiência, na forma do art. 277 do Código de Processo Civil, restou inexitosa a proposta de conciliação entre as partes (fls. 23/24). Na oportunidade, ofereceu o réu peça de defesa, suscitando, preliminarmente, inépcia da petição inicial, a qual foi rechaçada pela magistrada a quo. Tendo sido solicitada pela parte autora a conversão do rito procedimental, inicialmente sumário, para o ordinário, foi tal pleito deferido.
Na peça por si oferecida, e que acostada foi às fls. 25/32, aduziu o demandado, em síntese, que o veículo conduzido por seu filho, relativamente incapaz à época do fato, não estava em alta velocidade no momento do acidente, porque, “além de recém-saído de uma curva, o sentido percorrido por ele era de aclive.” (fl. 26, item 9)
Nesse passo, relatou que “o filho do demandante encontrava-se em uma motocicleta que apagou o farol desde longe, vindo a acendê-lo apenas instantes antes do choque. Pela surpresa causada e por estar vindo em declive, certamente a motocicleta é que estava em alta velocidade e na contra-mão, ou seja, na faixa de rolagem em que trafegava o filho do demandado; deixando a este pouquíssima margem de tempo de reação para evitar o acidente a tempo” (fl. 27, item 10).
Acrescentou, por sua vez, que, em face de ter ouvido notícias de possíveis assaltos ocorridos nas redondezas do local do acidente, envolvendo uma moto, o seu filho evadiu-se do lugar, por achar que poderia estar sendo vítima de uma tentativa frustrada de roubo, “que poderia agravar-se ainda mais pela chegada de outros comparsas (...).” (fl. 28, item 15)
Frisou, ainda, que soube, por ouvir dizer, que as vítimas haviam ingerido bebida alcoólica durante todo o dia do fato.
Ademais, questionou o valor indenizatório pleiteado na exordial, argumentando que mostrava-se exacerbado, revelando flagrante inobservância aos critérios de liquidação do dano.
Sustentando não ter sido demonstrada a culpa do seu filho pelo fato que determinou o dano à vítima, requereu, ao final, fosse julgada improcedente a pretensão inaugural, condenando-se o demandante nos ônus de sucumbência.
Às fls. 46/51, o réu interpôs agravo retido contra a decisão interlocutória que havia deferido o pedido de produção de prova testemunhal solicitado pelo autor, argumentando, em suma, que, não obstante haver sido a ação proposta pelo rito sumário, a exordial não se fizera acompanhar do rol de testemunhas, como previa o art. 276 do Código de Processo Civil, razão por que não cabia à magistrada de primeiro grau ter deferido a produção posterior da respectiva prova, porquanto se encontrava preclusa tal oportunidade.
Requereu, invocando a cláusula do devido processo legal, que, em caso de não haver retratação da decisão impugnada, permanecesse o recurso retido nos autos, para, posteriormente, em segundo grau, ser conhecido e provido, em sede de preliminar de eventual apelação a ser oportunamente interposta por ele agravante.
Após os trâmites processuais de praxe, a Juíza de primeiro grau, mediante sentença prolatada às fls. 89/93, julgou improcedente o pedido formulado na exordial, por entender que o filho do réu não teve culpa pela morte do filho do autor, restando, dessa forma, ausentes os requisitos necessários para a responsabilização civil, inexistindo dever de indenizar.
Irresignado, o demandante interpôs recurso de apelação cível, aduzindo, em síntese, nas respectivas razões (fls. 99/104), que, de acordo com o que havia restado demonstrado nos autos, sobretudo diante do croqui elaborado pelos policiais rodoviários federais, o veículo do demandado tinha ignorado a demarcação separatória das faixas da rodovia, adentrando no espaço destinado aos veículos em sentido contrário, o que veio, por conseguinte, a causar a colisão em foco.
Frisou, quanto ao documento supra aludido, consistente em croqui elaborado por policiais, que ele trazia consigo presunção juris tantum de veracidade, sendo, inclusive, amplamente acolhido nos tribunais pátrios, dentre os quais o Superior Tribunal de Justiça.
Asseverou que as fotografias acostadas ao processo, apesar da precariedade, serviam para demonstrar que a freada havia ocorrido “totalmente na pista contrária a qual dirigia Marco Aurélio Júnior, não se prestando, portanto, para absolver o réu.” (fl. 103)
Argumentou que a decisão a quo encontrava-se equivocada em face de terem sido desconsiderados o Boletim de Ocorrência, o fato de o motorista não possuir habilitação, bem como a advertência por este sofrida em apuração de ato infracional.
Destarte, requereu fosse reformada a sentença, reconhecendo-se a culpabilidade do recorrido e julgando-se, por conseguinte, procedente a pretensão inaugural.
Intimado, o apelado ofertou contra-razões (fls. 108/117), nas quais, rebatendo os argumentos invocados pelo apelante, afirmou que estava demonstrada nos autos a ausência de culpa do filho dele, recorrido, no prefalado acidente automobilístico, haja vista que as únicas testemunhas que haviam presenciado o fato, ao deporem em juízo, foram unânimes em comprovar a falta de nexo de causalidade, bem como a culpa exclusiva da vítima para o ocorrência do evento danoso. Argumentou, assim, que não tinha o autor se desincumbido do ônus de provar a suposta culpa do filho dele demandado no aludido acidente.
No tocante ao Boletim de Ocorrência elaborado pelo Departamento de Polícia Rodoviária Federal, asseverou que tal documento “é circunstancial e não possuía condições de informar ou atestar como o evento realmente ocorreu, até porque o veículo do Apelado não mais se encontrava no local da colisão quando da chegada da perícia”. (fl. 111)
Relatou, ainda, o apelado que o seu veículo “realmente invadiu a faixa contrária a que vinha, inclusive, já freando. Todavia, como demasiadamente comprovado pela instrução processual, apenas na vã tentativa de livrar o choque com a moto, que vinha na contra-mão e com os faróis apagados até pouco antes do impacto.” (fl. 112)
Nesse passo, ressaltou que, ao atribuir a culpa ao seu filho, o Boletim de Ocorrência confeccionado mostrava-se falível, sendo admissível a prova em contrário.
Requereu, pois, ao final, fosse improvido o recurso, mantendo-se em seus exatos termos a sentença prolatada pelo Juízo de primeiro grau.
A 7ª Procuradoria de Justiça, por entender que a matéria ventilada nos autos prescindia de intervenção ministerial, deixou de emitir pronunciamento, conforme manifestação de fls. 123/126.
É o relatório.
VOTO (Agravo Retido)
Compulsando os autos, vê-se que, às fls. 46/51, a parte ré interpôs recurso de agravo em sua modalidade retida. Todavia, deixou de requerer, em contra-razões da apelação (fls. 108/117), sua apreciação por este Tribunal, restando caracterizada, assim, a desistência tácita daquele recurso, razão pela qual deixo de conhecê-lo, com fulcro no art. 523, § 1º, do Código de Processo Civil.
VOTO (Mérito)
Conforme relatado, trata-se de apelação cível interposta pelo autor contra sentença prolatada pelo Juízo de primeiro grau, que, entendendo não terem restado configurados os requisitos necessários à responsabilização civil do réu, julgou improcedente a pretensão deduzida na petição inicial.
Sabe-se que, para a configuração da responsabilidade civil, necessário faz-se que haja uma ação, omissiva ou comissiva, a ocorrência de um dano, que pode ser de natureza moral ou patrimonial, e, por fim, que haja nexo de causalidade entre o dano produzido e a ação. Tratando-se, especificamente, de responsabilidade civil extracontratual subjetiva, como é o caso dos autos, há a necessidade, também, de ser demonstrado o elemento culpa.
Da detida análise do feito, levando-se em consideração todas as provas que foram a ele acostadas, tem-se que bem demonstrados restaram todos os pressupostos acima mencionados, conforme se buscará evidenciar adiante.
Está o postulante a pretender, com a presente demanda, a reparação dos danos, materiais e morais, acarretados ao seu filho Kleiber Silva, o qual veio a óbito no dia 27-07-2003, após envolver-se em um acidente automobilístico com o veículo conduzido pelo filho da parte demandada, o adolescente, à época, Marco Aurélio de Góis Costa Júnior.
Na hipótese vertente, o ponto central da lide reside na existência ou não de culpa do réu pela ocorrência do evento danoso, elemento este que, conjugado com os demais pressupostos de responsabilização civil anteriormente mencionados, gera o dever de indenizar, de acordo com as normas estatuídas nos artigos 186 e 927 do Código Civil, as quais, por se mostrarem pertinentes ao caso, merecem ser transcritas:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Sustentou a parte demandada a impossibilidade de ser responsabilizada pela ocorrência do fato ocasionador da morte da vítima, porquanto não teria o seu filho tido culpa por tal evento.
A despeito dos argumentos invocados pelo réu, ora recorrido, a análise percuciente dos autos, sobretudo da prova documental acostada, não dá sustentação ao entendimento por ele defendido.
É de se destacar, primeiramente, que, de acordo com o que se depreende do croqui elaborado pelos policiais rodoviários federais, constante do Boletim de Ocorrência de fls. 09/12, o veículo, do tipo caminhonete, conduzido pelo filho do réu (v2) trafegava na BR 101, no sentido Natal-Touros, e, a uma certa quilometragem, saiu de sua mão, vindo a colidir com a motocicleta em que se encontrava de carona a vítima (v1). A propósito, assim relatou-se no aludido documento: “pelos vestígios encontrados no local do acidente, o v2 invadiu a faixa contrária da pista de rolamento colidindo frontalmente com o v1 que trafegava na sua faixa”. (fl. 09)
É cediço que, a teor do que prescreve o art. 364 do Código de Processo Civil, o documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o tabelião, ou o funcionário declarar que ocorreram em sua presença.
Tratando-se, in casu, de boletim de ocorrência lavrado pela Polícia Rodoviária Federal, impende ressaltar, à luz da norma legal transcrita, que, ainda que não seja absoluta a presunção de veracidade do mencionado documento, na medida em que ilidível por prova em contrário, possui ele, sobretudo quando corroborado por outros elementos de convicção, relevante valor probante, mostrando-se hábil a estear um juízo de procedência da pretensão indenizatória formulada.
Em outras palavras, sendo ausente ou revelando-se frágil a contra-prova produzida, devem prevalecer, porquanto presumivelmente verdadeiras, as afirmações e conclusões contidas no boletim de ocorrência, mormente quando, além de encontrarem-se consonantes com outras provas carreadas ao processo, inexistem elementos capazes de infirmá-las, hipótese que, conforme se verá, é a dos presentes autos.
Faz-se oportuno ressaltar que os tribunais pátrios, inclusive o Superior Tribunal de Justiça, já proclamaram, em reiteradas oportunidades, a credibilidade do prefalado documento em casos como o que ora se apresenta.
A propósito, no julgamento do Recurso Especial nº 209298/PR[1], o qual, aliás, foi invocado pelo apelante, em sua peça recursal, o Eminente Ministro Relator Rui Rosado de Aguiar, daquela Corte Superior, ao reconhecer a força probante de boletim de ocorrência lavrado por autoridade policial, assim se manifestou, in verbis:
“1. O reconhecimento da culpa do motorista do empresa ré resultou da verificação do seguinte fato: ‘a causa primária e determinante paro o acidente foi a invasão do caminhão na pista contrária, por onde transitava o Corcel’ {acórdão, fl. 194). Esse esclarecimento está no boletim de ocorrência lavrado pela autoridade policial, e resultou de levantamento que ela efetuou no local do acidente e da constatação imediata e direta do fato, com a elaboração de um croqui. A descrição elaborada pela polícia rodoviária daquilo que constatou existir no local do acidente, tais como sinais de frenagem, resíduos do choque, posição final dos veículos, distâncias, sinais de trânsito, traçado da pista e suas condições, etc., constatáveis pela vista do funcionário, é prova direta que tem torça probante e pode ser acolhida pelo juiz, prova que se reforça se em concordância com os demais elementos e na ausência de contra-prova. Não se aplicam para esse levantamento do local do acidente os paradigmas que versaram sobre outros registros simplesmente lançados pela autoridade diante da declaração de terceiros, relativos a fatos acontecidos alhures. No caso da descrição do local, o funcionário declarou aquilo que estava submetido à sua observação direta, isto é, sinais deixados pela colisão, e essa declaração tem por si a presunção de veracidade. Já assim constou da ementa do REsp n° 135.543/ES, de minha relatoria: “O policial comparece ao local do fato e registra o que observa, quando então há presunção de veracidade”. (...)” (destaques inexistentes no texto original)
Veja-se, por sua vez, o teor do acórdão adiante transcrito, oriundo, também, da Corte Superior de Justiça, nestes termos:
“Acidente de trânsito. Responsabilidade da empresa locadora. Boletim de ocorrência feito por policial rodoviário, o qual chegou poucos minutos após o evento. Precedentes. Súmula n° 492 do Supremo Tribunal Federal.
1. O boletim de ocorrência feito por policial rodoviário federal, o qual chegou ao local minutos após o acidente, serve como elemento de convicção para o julgamento da causa, não se equiparando com aquele boletim decorrente de relato unilateral da parte.
2. (...) "A empresa locadora de veículos responde, civil e solidariamente com o locatário, pelos danos por este causados a terceiro, no uso do carro locado" (Súmula n° 492, do Colendo Supremo Tribunal Federal).
3. Recurso especial não conhecido.”
(STJ, REsp 302462/ES ; Recurso Especial 2001/0010557-2, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, votação unânime, DJU 04-02-2002, pág. 351) (destaques inexistentes no texto original)
No mesmo sentido: REsp 4365/RS; Recurso Especial 1990/0007510-6, Rel. Min. Waldemar Zveiter.
Igualmente dignos de serem trazidos à colação, dada a pertinência ao caso, mostram-se os julgados a seguir elencados, os quais foram colacionados por Rui Stoco, em sua obra “Tratado de Responsabilidade Civil”[2]:
“O Boletim de Ocorrência Policial é documento portador de presunção juris tantum de veracidade porque elaborado pela autoridade ou agente, portanto, prevalece até prova em contrário, ou sua elisão através de outros elementos idôneos de convicção e por isso não há como recusar-lhe credibilidade”. (1º TACSP - 5ª C. - Ap. – Rel. Nivaldo Balzano – j. 04-01-95 – RT 716/213)”. (destaques inexistentes no texto original)
“Não se dá validade absoluta às afirmações constantes do Boletim de Ocorrência, mas aceita-se, em princípio, como verdadeiro, o que lá está contido, cabendo à parte contrária destruir tais conclusões, afirmações, descrições etc., porque, caso contrário, restaria inócua a atividade de tais funcionários públicos (cf. Ap. 361.848-8, 5ª C.)” (1º TACSP, EInfrs. 527.503-0 – Rel. Elliot Akel – Boletim 17/94; Ver. Jur. Escolhida – RJE 3/27).” (destaques inexistentes no texto original)
Registre-se que outro não é o entendimento sedimentado nesta Corte Estadual de Justiça acerca do tema, conforme se infere, por exemplo, dos seguintes acórdãos: AC nº 01.002783-1, Relª Juíza Francimar Dias (convocada); AC nº 2004.005144-9, Rel. Des. Osvaldo Cruz; AC nº 02.001160-1, Rel. Juiz Eduardo Pinheiro (convocado).
Em suas contra-razões (fls. 109/117), o apelado argumentou que “o Boletim de Ocorrência, ao atribuir a culpa ao filho do Apelado, é falível, razão pela qual admite prova em contrário, sendo juris tantum a presunção da veracidade das informações ali contidas; ou seja, admitindo prova em contrário.” (fl. 112, in fine) E acrescentou: “Nesse aspecto, a própria Advogada do Apelante, ao produzir as suas razões de Apelação, reconhece como relativa a presunção de veracidade do Boletim de Ocorrência como meio de prova.” (fl. 113)
Ora, não se está, in casu, a questionar o caráter juris tantum da presunção de veracidade do boletim de ocorrência acostado aos autos. Ao contrário, está-se até mesmo a proclamá-lo, conforme se expôs anteriormente.
Todavia, ao mesmo tempo em que não se discute ser relativa aquela presunção, tem-se como imperiosa a necessidade de ser ela refutada por antiprova robusta e concludente, do que não se cogita na espécie, visto que o demandado, ora recorrido, não se desincumbiu do onus probandi a que se refere o inciso II do artigo 333 do Código de Processo Civil, segundo o qual ao réu cabe provar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Dito isso, cabe rechaçar, porquanto flagrantemente impertinente, a alegação do recorrido de que o Boletim de Ocorrência “é circunstancial e não possuía condições de informar ou atestar como o evento realmente ocorreu, até porque o veículo do Apelado não mais se encontrava no local da colisão quando da chegada da perícia.” (fl. 111)
Na verdade, a mera circunstância de o referido automóvel não mais se encontrar no local do acidente, no momento em que foi realizada a perícia, não tem o condão de reduzir o valor probatório do boletim de ocorrência lavrado pelos policiais rodoviários federais, como está a pretender o recorrido, na medida em que, para efeito de esclarecimento dos fatos, especialmente em casos de acidente de trânsito, mostram-se relevantes todos os dados indiciários constatáveis no local em aquele se deu, e que, na espécie, restaram devidamente descritos no mencionado documento, bem como corroborados por outros elementos presentes nos autos.
Aliás, é de se notar que o acolhimento do raciocínio expendido pelo apelado, supra aludido, levaria à absurda e desarrazoada conclusão de que a fotografia constante da fl. 35, acostada pelo próprio réu, e por ele invocada em favor de sua defesa, não teria valor probatório, já que dela também não constam os veículos envolvidos no acidente, mas apenas e tão-somente os vestígios deste.
Na realidade, o exame das provas carreadas ao processo leva a concluir que, a despeito do entendimento manifestado pela douta Julgadora a quo, agiu, sim, o filho do demandado culposamente no evento causador da morte do filho do autor, na medida em que poderia ter agido de modo diferente, a fim de evitá-lo.
Observe-se, primeiramente, que, de acordo a versão relatada pelo réu, acerca do acidente, a motocicleta em que o filho do demandante se encontrava é que teria invadido a faixa contrária, tendo surgido subitamente na rota de colisão da camioneta conduzida pelo filho do demandado, forçando-o a dar uma “guinada brusca à esquerda, que não foi suficiente para evitar o choque do lado direito de seu carro com a moto (...)”. (fl. 27, item 11)
Em que pese tal relato, o que verdadeiramente se constata, ao se analisar a mencionada fotografia de fl. 35, é que foi a camioneta que saiu de sua mão, vindo a colidir com a moto próximo
à linha divisória da rodovia, quando, em virtude do impacto, o pneu dianteiro do lado direito do veículo conduzido pelo filho do réu estourou, tornando-se mais claras as marcas de frenagem deixadas na pista.
Atente-se ao fato de que, se acaso a caminhonete viesse trafegando corretamente em sua faixa de rolamento, e a moto na contramão, conforme alegou o réu, certamente o veículo conduzido pelo filho deste não teria sido danificado na quina direita, como se verifica na hipótese (fl. 45), sobretudo levando-se em consideração que, de acordo com o que relatou o demandado, a moto teria surgido de maneira súbita em sua rota de colisão (fl. 27, item 11).
Também mostra-se passível de questionamento o fato de que, se a moto, que estaria, segundo alegado, com o farol apagado, o acendeu bem próximo à caminhonete, e esta estava em sua respectiva mão, a ação intuitivamente mais comum, em tal hipótese, seria a de que o condutor deste último veículo desse uma guinada para a direita, e não para a esquerda, como ocorreu in casu.
Feitas essas ponderações, conclui-se que a versão apresentada pelo demandado, acerca do evento em questão, mostra-se insubsistente, não devendo, por conseguinte, ser considerada.
Em sede de contra-razões, foi sustentado que “durante a instrução probatória, restou cabalmente comprovada a completa ausência de culpa do filho do Apelado no evento que culminou no falecimento do filho do Apelante, visto que as únicas testemunhas que presenciaram o fato, ao deporem em Juízo, foram uníssonas a comprovar a falta de nexo de causalidade e a culpa exclusiva da vítima para a ocorrência do evento danoso”. (fl. 109)
A despeito de o apelado ter, com base nos depoimentos das testemunhas por ele arroladas, sustentado a ausência de culpa do seu filho pelo evento ocasionador da morte do filho do autor, vê-se que a referida prova testemunhal carece, na hipótese, de valor probatório.
Com efeito, foram três as testemunhas ouvidas pelo Juízo de primeiro grau, quais sejam: Fabrino Paulino Quintiliano (fls. 55/57), Kleverton Silva de Moura (fls. 58/59) e Alyson Kleiton de Oliveira (fls. 60/61). Todos eles, conforme afirmaram em seus respectivos depoimentos, estavam no veículo conduzido pelo adolescente Marco Aurélio de Góis Costa Júnior, no dia do acidente, sendo amigos deste.
Tais circunstâncias, iniludivelmente, sugerem cumplicidade e falta de isenção, constituindo óbice ao conhecimento fidedigno da realidade fática tal como ocorrida, razão pela qual não há como se atribuir valor probante aos depoimentos das referidas testemunhas, cuja mecanicidade, aliás, mostrou-se perceptível in casu. De se observar, nesse passo, que ditos depoentes foram unânimes em narrar fatos favoráveis à tese de defesa sustentada pelo demandado, o que, de certa maneira, mostra-se compreensível, diante do que acima se expôs.
Aliás, convém frisar que, já por ocasião do julgamento da Representação Criminal proposta pelo Ministério Público Estadual em face do filho do ora demandado (Proc. Especial nº 125/03), havia assim constatado a magistrada da 2ª Vara Cível da Comarca de Ceará-Mirim/RN, ipsis litteris:
“(...) Quando em Juízo, as testemunhas de Justiça arroladas pela Promotoria Pública, os mesmos amigos do adolescente que estavam com ele no dia do acidente, disseram que a moto entrou na contra-mão, daí a colisão havida, sem culpa, portanto, da ação de Marco Aurélio, o qual não pode desviá-la, chegando até, com o impacto sofrido, estourar o pneu do seu veículo, a alguns metros do local do acidente. Elas, como referiu-se o Parquet, sempre andavam com o adolescente. É compreensível, pois, a atitude deles em audiência, querendo sufocar o fato, mas, igualmente, penso como o Parquet, entendendo tratar-se de uma prova não firmadora de convencimento, assim como as demais colhidas durante a instrução, pois nada disseram que pudesse motivar o meu convencimento.” (fl. 40) (destaques inexistentes no texto original)
De mais a mais, outras circunstâncias evidenciadas nos autos vão de encontro à tese sustentada pelo demandado, de que seu filho não teria agido com culpa no evento ocasionador da morte do filho do demandante.
Primeiramente, é de se ressaltar que, ainda que não baste, para fins de responsabilização civil, a ausência de habilitação legal para dirigir, tal circunstância constitui-se como mais um elemento do qual pode se utilizar o Julgador para formar sua convicção acerca da procedência ou não da pretensão condenatória.
Nesse sentido, aliás, já se proclamou, jurisprudencialmente, que, “em tema de delito culposo de trânsito, embora por si só, para lastrear decreto condenatório, não basta a falta de habilitação legal para dirigir veículos a motor, é de ser a circunstância realçada por ser reveladora de personalidade infensa à prudência e à disciplina, insensível perante a violação da lei e destemerosa de suas conseqüências. Constitui tal fato elemento que auxilia a esclarecer o sinistro e sua gênese.” (TACRIM-SP – AC – Rel. Dínio Garcia – JUTACRIM 40/115)[3]
Na hipótese em apreço, além de inabilitado para dirigir o veículo que se envolveu no evento em questão, o filho do réu afirmou, categoricamente, em audiência, que “a primeira vez que dirigiu uma camioneta em uma estrada foi na data em que ocorreu o acidente” (fl. 54), o que bem serve para demonstrar que, de fato, aquele adolescente agiu com imprudência e imperícia, no dia em que se deu a ocorrência.
Aliás, também nesse ponto, foi enfática a Juíza de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Ceará-Mirim/RN, quando, ao julgar a prefalada representação criminal proposta pelo Parquet em face do filho do ora demandado, assim frisou:
“No desiderato, ratifico em desfavor do adolescente, o fato de tirar a chave do carro do pai, por várias vezes, como disse em seus depoimentos, sem ser habilitado, causando, a sua atitude, no dia do fato – 27-07-2003 – uma colisão, motivando levar ao óbito duas vítimas que, em nenhum momento terão a chance de dizer o que aconteceu e como aconteceu, nem poderão jamais, desfrutar a vida até o dia em que o Senhor, em sua sabedoria, as tirasse do mundo dos vivos, deixando os pais destas, como verificou-se em audiência, totalmente destroçados pela dor e pela tristeza.” (fl. 41) (destaques inexistentes no texto original)
De se observar, por sua vez, que, não obstante tenha o demandado ressaltado algumas condições supostamente desfavoráveis em que os fatos ocorreram, alegando que o acidente se deu em “uma estrada erma, fora dos limites urbanos, sem qualquer iluminação, às 22h (...)” (fls. 78, in fine e 79), tais circunstâncias, antes de servirem para justificar o evento danoso, impunham a necessidade de se dispensar, naquela via pública, maior cautela e atenção, o que, certamente, faltou ao condutor da caminhonete, filho do réu.
Enfim, diante de todo o contexto fático-probatório que ficou demonstrado nos autos, é forçoso concluir que, de fato, agiu com culpa o filho do réu pelo evento que ocasionou a morte do filho do demandante, o que restou evidenciado, inclusive, pelas próprias circunstâncias peculiares em que aquele acidente ocorreu, a saber: num dia de domingo, por volta das 22h, quando o adolescente Marco Aurélio Góis Costa Júnior, acompanhado de amigos, retornava de uma festa de aniversário.
A par de tais constatações, e baseando-se, inclusive, nas próprias regras de experiência, vê-se que, muito embora tenha o demandado refutado os depoimentos das testemunhas João Moreira da Silva e Ubiratan da Silva, prestados ao Juízo de Direito da Comarca de Ceará-Mirim/RN (fls. 62/63), os relatos neles contidos, em especial no que diz respeito ao suposto fato de ter o filho do réu ingerido bebida alcoólica no dia do acidente, não se mostram despropositados e desconexos com o contexto fático evidenciado nos autos.
À vista de todos os fundamentos supra esposados, verifica-se que presentes se encontram, na espécie, os requisitos necessários à responsabilização civil da parte demandada, porquanto, de acordo com os preceitos estatuídos nos artigos 932, I, e 933, ambos do Código Civil, respondem os pais, solidariamente, pelos danos causados a bens de terceiros pelos filhos menores que estiverem em seu poder ou companhia, tendo em vista o dever de vigilância que sobre estes devem exercer. Por sua vez, a própria circunstância de ser o réu o proprietário do veículo causador do dano, conforme admitiu o condutor em Juízo (fl. 53), justifica a sua co-responsabilidade pelos prejuízos cuja reparação ora se está a pretender.
Reconhecida, pois, na hipótese, a prática de ato ilícito (CC, art. 186), hábil a ensejar o dever do apelado de indenizar o recorrente (CC, art. 927), cabe, doravante, analisar o quantum a ser fixado a título de reparação pelos danos a este último ocasionados.
Cabe frisar, a propósito, que, à luz da norma contida no art. 5º, X, da Constituição Federal[4], bem ainda do entendimento jurisprudencial já sedimentado a respeito, não mais se discute a possibilidade de acumulação de danos materiais e morais, ainda que decorrentes do mesmo fato. Este é o posicionamento cristalizado na súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual “são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.”
Acerca da natureza indenizável da chamada “dor moral”, e da possibilidade de sua reparação ser cumulada com a indenização por danos materiais, na forma do enunciado sumular transcrito, Arnaldo Rizzardo[5] tece oportunos comentários, nestes termos:
“Se analisarmos o problema do dano em todas as suas dimensões, concluiremos que não está fora do direito a concessão da dupla reparação. (...) O objeto do direito é a proteção de qualquer bem. (...) E o bem jurídico é constituído não só dos haveres patrimoniais e econômicos, mas também de valores morais, quais sejam a honra, a vida, a saúde, o sofrimento, os sentimentos, a tristeza, o pesar diante da perda de um parente etc. Daí concluir que forma o objeto do direito todo bem jurídico, material ou espiritual. Sofrendo lesão, o bem jurídico, seja qual for, merece reparação.”
E assim complementa o ilustre doutrinador:
“(...) Se o homem é composto de matéria e espírito, não é justo desconsiderarmos este último aspecto, pois se todas as ciências o tratam como um todo, acentuando-se cada vez mais as preocupações que buscam resolver os males através do estudo do psiquismo humano, é porque a dimensão espiritual é tanto, ou mais importante, quanto a realidade material.”
No caso em análise, pediu o autor, a título de reparação por danos materiais, indenização no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), deixando para ser aferido pelo Julgador o quantum relativo à indenização pelos danos morais.
A parte ré, ora recorrida, ao refutar o pleito indenizatório formulado pelo postulante, argumentou que não havia sido demonstrado nos autos, “nem por hipótese, se o filho do Autor residia com os pais, exercia atividade remunerada ou sequer contribuía economicamente para com o sustento dos genitores.” (fl. 87, item 29) Por sua vez, frisou que “não se pode meramente supor o dano material, devendo ser comprovada nos autos a sua real ocorrência.” (fl. 31, item 29)
Analisando-se as razões invocadas pelo apelado, vê-se que, de fato, são elas oportunas e merecedoras de acolhimento, no tocante à impossibilidade de ser fixada, na espécie, indenização por danos materiais.
Com efeito, não há como se admitir a possibilidade de reparação sem que haja prejuízo que a justifique.
No caso vertente, inexiste nos autos comprovação de que a vítima, contando com 19 (dezenove) anos no dia do óbito, exercia atividade remunerada, auxiliando os seus genitores nas despesas da família, de forma que não é cabível que o autor, pai daquela, esteja, agora, a pleitear indenização por danos materiais, quando efetivamente não se tem demonstração clara da existência de tais prejuízos.
A propósito, assim já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, em julgado que, mutatis mutandis, bem serve para evidenciar o não cabimento do pedido indenizatório de danos materiais em casos como o que ora se analisa, em que a vítima não exercia atividade remunerada:
“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. ATROPELAMENTO. VÍTIMA QUE NÃO EXERCIA ATIVIDADE REMUNERADA. DESCABIMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL EM FORMA DE PENSÃO. JUROS. INCLUSÃO EM SEGUNDO GRAU. POSSIBILIDADE. TERMO A QUO. DATA DO EVENTO. CULPA EXTRA-CONTRATUAL. DANO MORAL. QUANTUM. CONTROLE PELA INSTÂNCIA ESPECIAL. POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO. ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA/STJ. AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
I - Em se tratando de vítima(no caso, com setenta e dois anos de idade) que não exercia atividade remunerada, não faz jus seu dependente, em princípio, ao recebimento de indenização por danos materiais, por inexistir prejuízo a ser reparado, já que a autora, com a morte de seu marido, nada perdeu a título de renda mensal.
(...)
VI - Não se vislumbra ausência de prestação jurisdicional quando, apesar de sucintamente, todos os pontos suscitados pela parte foram devidamente analisados.
(STJ, REsp 202826/RJ ; RECURSO ESPECIAL
1999/0008452-7, Quarta Turma, Rel. Min Sálvio de Figueiredo Teixeira, votação unânime, DJU DJ 24.05.1999,pág. 178) (destaques inexistentes no texto original)
Na verdade, acatar a possibilidade de arbitramento da mencionada indenização, na hipótese, significaria aceitar que a parte ofendida viesse a se locupletar indevidamente, o que, por óbvio, não se admite, sob pena de desvirtuar o instituto da reparação civil.
Sem prejuízo da previsão contida na súmula 491 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual “é indenizável o acidente que cause a morte de filho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado”, entende o Superior Tribunal de Justiça ”ser cabível a indenização por danos materiais naqueles casos em que a vítima pertence a família reconhecidamente de poucos recursos, onde se presume que a contribuição dos filhos menores para o sustento da casa se inicia prematuramente” (RESP nº 436.181-MG, Rel. Min. Castro Filho)[6], o que não se constata na hipótese presente.
Nesse passo, é de ser observado que, do exame da declaração de imposto de renda acostada à fl. 69, constata-se que os rendimentos anuais do demandante são bastante próximos dos do réu (fl. 67), em face de quem está aquele a pedir indenização por danos materiais no montante de R$ 100.000 (cem mil reais).
Destarte, diante das considerações acima expendidas, não há como se presumir que a vítima, no presente caso, prestava, efetivamente, auxílio financeiro à família, de forma que, não se vislumbrando a existência de prejuízo ao autor, não está a merecer guarida o pedido de indenização por danos materiais por ele formulado.
No tocante à indenização por danos morais, é sempre válido ressaltar que o seu escopo maior é, de um lado, o de compensar o sofrimento, a ofensa causada pelo lesante e, de outro, o de servir como desestímulo para que este não venha a cometer outros atos da mesma natureza.
É sob a ótica desses dois aspectos mencionados que o Julgador deve fixar o valor indenizatório, sempre buscando harmonizar o caráter ressarcitório da reparação para a vítima, com o punitivo, para o ofensor (binômio punição e compensação).
Na ausência de critérios legais objetivos para a estipulação daquele montante, deve o Magistrado fundar-se, sobretudo, num juízo de razoabilidade, levando em consideração, dentre outros, aspectos como a posição social do ofendido, a capacidade econômica do ofensor, a extensão do prejuízo e o grau de culpa.
Nesse sentido, já pontificou o Superior Tribunal de Justiça que, “na fixação da indenização a esse título, recomendável que o arbitramento seja feito com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível sócio-econômico do autor e, ainda, ao porte econômico do réu, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso.” (REsp 240441/MG ; Recurso Especial 1999/0108553-5, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Texeira)
No caso vertente, é evidente e não se questiona o sentimento de pesar e de tristeza do autor, decorrente do acidente fatal que vitimou o seu filho. Por outro lado, também deve ser levado em consideração o fato de não se ter, na espécie, como elevado o grau de culpa do causador do dano, o qual, pelo que dos autos consta, não demonstrou ânimo de ocasionar aquele evento.
Nesse passo, faz-se pertinente destacar, inclusive, que, tal como constatou a magistrada da 2ª Vara Cível da Comarca de Ceará-Mirim/RN, a qual julgou a representação criminal ajuizada pelo Parquet em face do adolescente, “Marco Aurélio tem uma família bem estruturada, religiosa, harmonizada, idônea, e de todos conhecida. É público e notório em Extremoz que não só ele, mas seus pais e demais familiares, em decorrência do acidente objeto do presente processo especial, sofreram e sofrem as conseqüências deste, de modo a procurarem até ajuda médica para enfrentarem tal adversidade (...)”. (fl. 41)
Por sua vez, há de se ter em vista, também, a capacidade econômica do apelado, a qual, de acordo com o que se depreende dos documentos colacionados às fls. 66/67, não é elevada.
Portanto, examinando-se todas as circunstâncias relevantes demonstradas nos autos, bem como as peculiaridades do caso em apreço, tem-se, à luz da razoabilidade, como consentânea a fixação de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000 (dez mil reais), não sendo inoportuno ressaltar que, sem embargo do caráter compensatório de tal reparação, não deve ela se constituir em um enriquecimento indevido da parte ofendida.
Diante do exposto, conheço da apelação cível e dou-lhe parcial provimento, para reformar a sentença prolatada pelo Juízo de primeiro grau e, por conseguinte, condenar o réu ao pagamento apenas de indenização por dano moral, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a ser corrigido monetariamente. Condeno o demandado, ademais, ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados no percentual de 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação, levando em consideração o grau de zelo do advogado, o trabalho por este realizado e a complexidade da causa, tudo nos termos do art. 20, § 3º, do CPC.
É como voto.
Natal, 14 de fevereiro de 2006.
Desembargador Cláudio Santos
Presidente e Relator
Doutor Herbert Pereira Bezerra
17º Procurador de Justiça
Endereço: Praça 7 de Setembro, S/N, Natal/RN, 59025-000> Home page: www.tjrn.jus.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, TJRN - Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte. TJRN - Civil. Ação de indenização por ato ilícito. Pedido de reparação de danos materiais e morais. Acidente automobilístico. Invasão de faixa contrária. Vítima fatal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 abr 2011, 10:03. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Jurisprudências /23997/tjrn-civil-acao-de-indenizacao-por-ato-ilicito-pedido-de-reparacao-de-danos-materiais-e-morais-acidente-automobilistico-invasao-de-faixa-contraria-vitima-fatal. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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